segunda-feira, outubro 03, 2005

Despedidas - terceira tomada

Entraram em casa com cuidado, em silêncio. Ainda era cedo e a luz que entrava pela janela em frente à escada clareava o ambiente deixando-o amarelecido. A menininha dormia no colo da mãe. Dormira desde o início da viagem.

O desconforto era geral. Ninguém sabia ao certo se devia falar, se podia falar, se queria pensar ou sentir mais alguma coisa. A mãe subiu a escada devagar, com a criança apoiada nos braços, para colocá-la na cama. Fechou as cortinas com cuidado e percebeu que ao se afastar a menininha abriu um pouco os olhinhos castanhos.

Já tinham se preparado bastante para o momento, mas esse é o tipo de acontecimento para o qual não adianta se preparar. E acredito também que é o tipo de acontecimento ao qual não se consegue acostumar.

Chegaram cedo ao orfanato e a menininha de pouco mais de um metro tinha acabado de almoçar. Macarrão com salsichas, seu prato preferido, aconselhou a assistente. Estava com uma blusinha azul e calça de moletom, sentadinha brincando com os amigos.

Todos começaram a se despedir. Para ela, provavelmente, mais um ritual desnecessário, mais uma despedida pela qual não pediu passar, mais um adeus para sempre.

Sua malinha era bem pequena: uma ou duas calças, algumas poucas blusinhas de verão e um moletom para o frio, além de uma sandália com a sola já gasta. Entregaram as coisinhas à mãe, que estava à porta com o resto da família.

- Vocês vão deixar ela assistir televisão? Deixa, porque ela gosta bastante de assistir televisão – lembrou seu amiguinho de cinco anos - três a mais do que a menininha -, que estava à espera da vez de se despedir.

Ela foi para o carro no colo da mãe, sem chorar ou reclamar. Não falou nada, nem um resmungo, nem uma palavra solta, nem um som de adeus. Como nas cenas de filme, todos ficaram à porta para dar um último tchau. E pediram para que não esquecêssemos de mandar notícias. O carro deu partida e ganhou a estrada. A menininha já dormia, tranqüilamente.

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