sexta-feira, outubro 28, 2005

Gotas de Clarice Lispector

"Esse esforço que farei agora por deixar subir à tona um sentido, qualquer que seja, esse esforço seria facilitado se eu fingisse escrever para alguém. Mas receio começar a compor para poder ser entendida pelo alguém imaginário, receio começar a "fazer" um sentido, com a mesma mansa loucura que até ontem era o meu modo sadio de caber no sistema. Terei de ter a coragem de usar um coração desprotegido e de ir falando para o nada e para o ninguém? - assim como uma criança pensa para o nada - e correr o risco de ser esmagada pelo acaso."

"Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador. Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada."

"Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo."

"Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato... Ou toca, ou não toca".

terça-feira, outubro 25, 2005

Sensações

"E o que é que ainda estão fazendo as crianças dentro do colégio?
Já que o sol está brilhando como nunca do lado de fora da sala de aula
E há uma única pétala vermelha na haste dessa rosa que continua bela, gritando..."

Hoje o céu paulistano amanheceu lindo, como nos mais belos dias das mais gostosas cidades litorâneas que já conheci. O sol forte, mas não quente o suficiente para matar o ventinho que soprava - como o das brisas marinhas.

Adoro dias de primavera. Eles sempre me fazem lembrar de tempos bons. E eles sempre são bons. Muito bons.

sexta-feira, outubro 21, 2005

Só por vício

Hoje pedi demissão de mais um emprego. Apesar do costume - sim, pedir demissão também vicia - sempre fico um tantinho mais feliz quando faço isso. Surge outra vez a possibilidade de mais tempo livre - para mim e para ficar com as pessoas de que gosto, a possibilidade de dormir até mais tarde nos dias em que tiver vontade, a possibilidade de curtir a piscina nos dias de sol que hão de vir!
Uma pontinha de mim sempre diz que eu gosto muito de começar coisas novas, mas gosto mais ainda de terminar com elas. Talvez por isso faça tantas coisas ao mesmo tempo, por ter a certeza de que elas acabam, de que coisas mais interessantes virão depois.
Da última vez em que pedi demissão fiz a melhor viagem da minha vida. O que será que vem agora?

segunda-feira, outubro 17, 2005

In my life

There are places I’ll remember
All my life though some have changed
Some forever not for better
Some have gone and some remain
All these places have their moments
With lovers and friends I still can recall
Some are dead and some are living
In my life I’ve loved them all

(The Beatles)

segunda-feira, outubro 03, 2005

Despedidas - terceira tomada

Entraram em casa com cuidado, em silêncio. Ainda era cedo e a luz que entrava pela janela em frente à escada clareava o ambiente deixando-o amarelecido. A menininha dormia no colo da mãe. Dormira desde o início da viagem.

O desconforto era geral. Ninguém sabia ao certo se devia falar, se podia falar, se queria pensar ou sentir mais alguma coisa. A mãe subiu a escada devagar, com a criança apoiada nos braços, para colocá-la na cama. Fechou as cortinas com cuidado e percebeu que ao se afastar a menininha abriu um pouco os olhinhos castanhos.

Já tinham se preparado bastante para o momento, mas esse é o tipo de acontecimento para o qual não adianta se preparar. E acredito também que é o tipo de acontecimento ao qual não se consegue acostumar.

Chegaram cedo ao orfanato e a menininha de pouco mais de um metro tinha acabado de almoçar. Macarrão com salsichas, seu prato preferido, aconselhou a assistente. Estava com uma blusinha azul e calça de moletom, sentadinha brincando com os amigos.

Todos começaram a se despedir. Para ela, provavelmente, mais um ritual desnecessário, mais uma despedida pela qual não pediu passar, mais um adeus para sempre.

Sua malinha era bem pequena: uma ou duas calças, algumas poucas blusinhas de verão e um moletom para o frio, além de uma sandália com a sola já gasta. Entregaram as coisinhas à mãe, que estava à porta com o resto da família.

- Vocês vão deixar ela assistir televisão? Deixa, porque ela gosta bastante de assistir televisão – lembrou seu amiguinho de cinco anos - três a mais do que a menininha -, que estava à espera da vez de se despedir.

Ela foi para o carro no colo da mãe, sem chorar ou reclamar. Não falou nada, nem um resmungo, nem uma palavra solta, nem um som de adeus. Como nas cenas de filme, todos ficaram à porta para dar um último tchau. E pediram para que não esquecêssemos de mandar notícias. O carro deu partida e ganhou a estrada. A menininha já dormia, tranqüilamente.

Bem Vindos

Estamos em uma pequena cidade sueca no início dos anos 1970. Amores, crenças e paixões colocados à prova a cada instante. Uma casa dividida entre cerca de dez pessoas com objetivos semelhantes - um casal que prega o amor livre, outro que acabou de se separar (a mulher virara lésbica), um homossexual, algumas crianças, outro casal com crenças mais fortes no anarquismo. Além de roupas características dos hippies, a casa não tinha televisão e lá eles não comiam carne. O clímax vem com a chegada de estranhos ao ambiente e uma série de transformações no pensamento de cada um daqueles que viviam sob o mesmo teto.

O filme é o Bem Vindos, do diretor sueco Lukas Moodysson, que assisti pela primeira vez em 2001, nos tempos de cursinho. Assisti novamente ontem e, apesar de gostar bastante, todo aquele cenário de contradição me pareceu mais familiar. É um ótimo retrato de uma sociedade quase distante da nossa. Recomendo!

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É contraditório como eu me afasto, mesmo sentindo falta, e me reaproximo, já não sentindo tanta falta, de muitas pessoas. Neste final de semana revi pessoas que já foram muito importantes alguns anos atrás, na minha vida de início de trabalho sério. Havia me esquecido do quanto algumas delas me incentivavam, em diversos assuntos. Mesmo timidamente e sem que elas percebessem, amadureci bastante com o convívio. Deu saudade, mesmo que não acompanhada de alguma vontade de voltar atrás.

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"Sempre haverá entre nós o amor. Sempre haverá entre nós o tempo. Sempre haverá entre nós as horas." É assim, ou mais ou menos assim, que termina e que começa o filme As Horas.

Também revi esse filme no final de semana e a primeira vez que assisti foi em um carnaval remoto, de 2003 ou 2004, não consigo lembrar.

Três mulheres aparentemente muito bem - com maridos ótimos, bem sucedidas na carreira, com vários amigos e bens materiais - têm crises pela falta de algo que não sabem o que é. Todas querem mudar a vida de alguma maneira, mas se culpam por jogar fora vidas aparentemente perfeitas.

Não consigo me prender a alguma vida, não consigo ainda criar raízes nem achar que as coisas devem continuar como estão. Tudo está acontecendo e mesmo assim não quero continuar com tudo isso por muito tempo. O que não significa, no entanto, que eu não esteja gostando de todas as novidades. Precisava aprender a me focar. Foco, Lúcia! Foco!!!