segunda-feira, novembro 12, 2007

Crédito para dar, vender e endividar

Cartões de loja incentivam o consumo exagerado, aumentando os lucros do comércio e o endividamento da população. Principal usuário desse tipo de crédito é o trabalhador que recebe até três salários mínimos mensais

"Boa tarde. A senhora possui o Cartão Sonda? Se quiser, pode fazer agora mesmo, sem cobrança de anuidade”. Quem nunca foi parado em um supermercado ou em um grande magazine e recebeu insistentes propostas para fazer um cartão da loja que levante a mão. A última moda é oferecer anuidade grátis, o que pode ser bastante tentador à primeira vista. No entanto, não há cartões em que o consumidor de fato não arca com custos. Sai a anuidade, entram taxas de manutenção, de utilização e tantas outras.


No caso do supermercado Sonda, rede de 12 lojas na Grande São Paulo, a oferta é por um cartão sem anuidade. A atendente não dá mais informações, que só podem ser conseguidas no balcão de informações ou lendo o folheto publicitário. A aquisição do crédito implica em um custo de manutenção de R$ 3,90 toda vez que houver emissão de extrato, ou seja, sempre que for feita alguma compra com o cartão, que também pode ser utilizado fora dos estabelecimentos Sonda. Se utilizado todo mês, o desembolso será de R$ 46,80 no ano – valor que não fica para trás das taxas de anuidade cobradas no mercado.


Mas como cada rede de lojas adota uma política diferente, o importante é ficar atento, perguntar sobre custos e questionar a cobrança de qualquer tipo de taxa não especificada na hora da contratação. No geral, é possível encontrar o valor das cobranças em letras minúsculas no contrato ou nos folhetos publicitários. Poucos dos responsáveis por vender o serviço, no entanto, alertam sobre tarifas, apesar de o Código de Defesa do Consumidor (CDC), em seu artigo 6º, assegurar o direito de receber informações adequadas e claras sobre os serviços ofertados.


No Carrefour, por exemplo, a anuidade é grátis, mas é cobrada uma taxa de R$ 1,99 toda vez que houver movimentação com o cartão – que pode ser usado na rede de supermercados, nos postos de abastecimento Carrefour e em lojas credenciadas. O problema, em casos como esse, é o consumidor só descobrir a existência da taxa quando chegar a primeira fatura.


Os estabelecimentos, ainda, oferecem cartões diferentes aos clientes: alguns podem ser usados apenas na própria rede, como é o caso dos cartões das Lojas Marisa; e outros podem ser usados na rede e em estabelecimentos credenciados, como o do Carrefour e o do Sonda. Para o consumidor, praticamente não há diferenças entre os modelos.

“Fazer com que o private label (como é chamado o cartão que só pode ser usado em determinada loja) seja aceito em outros estabelecimentos é uma questão estratégica e envolve custos. Ampliar a utilização traz benefícios aos clientes, por não precisarem carregar outros cartões, mas também traz receitas ao varejista, que recebe porcentagem de vendas”, afirma André Alexandre Alves, especialista em marketing de varejo pela USP (Universidade de São Paulo).


A utilização do crédito em outro varejista, entretanto, faz com que o limite para ser usado na própria rede fique menor. Por isso, muitos preferem que o cartão seja válido exclusivamente em suas lojas. Outros, resolveram a questão estabelecendo limite para uso fora da rede. O consumidor, no meio de tudo, precisa tomar cuidado para não ver nos cartões de loja seus grandes aliados e acabar endividado.

Pontos de relacionamento

Com a explosão do crédito pessoal no início dos anos 2000, as maneiras de agarrar o consumidor se tornaram mais eficazes. Tanto que hoje mais de 128 milhões de cartões private label estão em circulação no país. Em junho do ano passado, eram 107 milhões, ou seja, o crescimento foi de 19% em apenas um ano. O número de transações e o valor das compras com a modalidade cresceram na mesma proporção, com aumento de 17%. O volume de operações passou de 308 milhões para 360 milhões, enquanto o valor das compras subiu de R$ 15,2 bilhões para R$ 17,8 bilhões na comparação entre o primeiro semestre de 2006 e o de 2007. Os dados são da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs).


Se considerarmos que a população economicamente ativa não chega a 98 milhões de pessoas, é fácil imaginar o quanto esses cartões contribuem para o endividamento de milhões de brasileiros. “Existem varejistas onde o private label representa mais de 70% das vendas. Por outro lado, é também uma ótima oportunidade de relacionamento com os clientes”, afirma Alves.


Para aumentar as vendas, no geral, oferecem parcelamento de compras sem juros em mais vezes do que é oferecido nos cartões de crédito comuns. A rede de supermercados Bistek, de Santa Catarina, chega a oferecer 70 dias para pagar a compra à vista e financiamento de até 90% do saldo devedor da fatura. Assim, o cliente acaba comprando mais, pois os longos prazos permitem parcelas mensais que cabem no orçamento.


Já para fidelizar clientes, as redes acabam condicionando o pagamento da fatura à ida de uma das lojas, além de armazenar todos os dados das últimas compras realizadas e de oferecer pontos de relacionamento que podem ser trocados por prêmios. Nas Lojas Marisa, magazine de roupas femininas presente em todo o país, por exemplo, os cartões só podem ser usados no site da empresa ou na própria rede e, para quitar o boleto, é necessário ir até uma das lojas. O cartão também oferece anuidade grátis e cobra uma taxa de processamento de fatura (a mesma coisa que taxa de manutenção ou de extrato) no valor de R$ 1,95, toda vez que houver débito no cartão.


Mas o que dá lucro mesmo para as empresas nesse tipo de cartão são as taxas de refinanciamento – responsáveis, portanto, pelo endividamento e parte dos consumidores. Uma conta que deveria ser paga em outubro, por exemplo, fica só para novembro ou dezembro e, para refinanciar o débito do cliente, a loja cobra juros bem altos. No caso das Lojas Marisa, cobra-se taxa de refinanciamento de 9,98% ao mês, mais multa de 2% e mora de 1% ao mês. São ainda cobradas tarifas “de entrada em cobrança com 10 dias em atraso” (R$ 3,05) e “de manutenção em cobrança com 30 dias de atraso” (R$ 2,75).


Endividamento

Para muitos, os cartões de loja acabam sendo a única forma de comprar. Cerca de 40 milhões de brasileiros não possuem conta bancária e precisam trabalhr apenas com dinheiro – ou aderir aos private label.


Lurdes (nome fictício) é aposentada e vive no bairro do Campo Limpo com seus três netos. Recebe aposentadoria, que mal dá para cobrir as despesas. Para comprar roupas e eletrodomésticos, fez cartões das Lojas Pernambucanas e das Casas Bahia. Para a comida, fez também outros dois: do Extra e do Carrefour. Questiono se ela consegue administrar os cartões, para não acumular dívidas e a resposta pode desanimar quem acredita que pode conciliar muitos cartões de loja: “não tenho muito o que fazer, sem os cartões não consigo comprar, mas com eles, também não consigo ficar sem dívidas. Tento apenas dividir os pagamentos, para ter algum cartão disponível”.


Para Alvez, “a educação financeira é incipiente no Brasil e o consumismo é amplamente divulgado. É possível ter vários cartões de loja na carteira, desde que a somatória de gastos caiba no orçamento”. Mas essa é uma tarefa difícil. A responsabilidade, no fim, é exclusiva do consumidor, que precisa administrar suas contas e resistir aos apelos consumistas.

Um comentário:

Anônimo disse...

Eu estou abismada com o exorbitante valor dos juros e dos refinanciamentos...