Odeio os chats de conversação por computador. É como se me colocassem diante de uma pessoa para que eu conversasse com ela de olhos vendados, sem sequer ouvir sua voz... E me dessem de consolo bilhetinhos com suas frases... Não, ainda não cheguei a esse ponto de estupidificação mental... Não posso imaginar conversar com alguém sem ver seus olhos, que para mim são muito mais do que órgãos de visão. São órgãos de imersão... São como o inverso do periscópio, tal qual os jogos de lentes cruzadas e diagonais de um microscópio, que me permitem entrar na invisibilidade de um tecido, de um plasma, de microfatia dérmica. Pelos olhos eu vejo em você uma tristeza interior, uma melancolia mesclada com uma vontade terna mas impotente de se exprimir; pelos olhos eu vejo nessa outra pessoa uma ternura solitária, um silêncio interior brando, uma resistência às investidas de todos aqueles que querem torná-la igual aos outros... Pelos olhos eu vejo, em mais essa outra pessoa, as transformações de seu ser, os mesmos olhos que tempos atrás passavam um orgulho vaidoso, indiferente, até mesmo arrogante, hoje denunciam uma incerteza, um olhar inseguro de quem sofreu, se dobrou, teve de refazer a vida...
(Odeio a Internet, de Ciro Marcondes Filho - Revista USP)
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