http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u13691.shtml
Gritava roucamente como alguém que sofre de asma e não consegue, por alguns instantes, respirar. Gritava sem voz. Sussurrava um grito. Estava vermelho. Sufocava.
A professora abriu a porta correndo e gritou por socorro. Pediu para que uma das alunas chamasse rapidamente a diretora, para que enviassem uma ambulância à escola. Pedrinho precisava de ar puro urgentemente. Afastou todos os outros alunos e abriu os botões da camisa do garoto. Correu à sua bolsa e retirou um pequeno frasco de ar, espirrando todo o pouco resto que ainda estava dentro do frasco na boca dele. A tentativa era de que o pouco ar puro do frasco lhe reanimasse até a chegada dos médicos.
Eram cinco horas da manhã quando a mãe lhe acordou para ir ao colégio. Ela estava com um ar triste, um pouco cansada. Desanimada, talvez.
- Hoje vamos mais cedo, querido. A mamãe não conseguiu pegar as máscaras de ar lá no postinho público; disseram que não tinha mais, que só vai chegar daqui uma semana... Vamos mais cedo pra não pegar tanta poluição. Toma, põe sua camisa.
Pegou Pedrinho pela mão e saíram de casa rapidamente. O café tinha sido pouco, então era bom insinuar uma pressa para que a barriga não percebesse a falta e começasse a fazer barulho tão cedo. Havia poucas pessoas na rua e a o clima ficava melhor antes do sol nascer. Não corriam tanto risco por andar sem protetor solar nesse horário, nem de sair sem as botas anti-calor, que não tinham mais. As de Pedrinho já estavam três números menores do que ele calçava.
- Querido, espera a mamãe aqui na hora da saída, tá? O calor vai estar maior e a poluição também. Vou trazer uns paninhos úmidos pra gente ir colocando no nariz até chegar em casa. E vou ver também se nenhuma vizinha tem alguma máscara de ar puro guardada pra te emprestar.
- E a máscara pra você, mamãe?
- Ai, lindo, não se preocupa com a mamãe não, tá? A mamãe já é grande, olha só. E a mamãe também tá mais acostumada com a poluição. Fica com Deus, querido.
Marina voltou para casa correndo. O solo estava quente demais para suportar. Não podia caminhar sem nenhum protetor para os pés. Ficou triste pelo filho, lembrando de quando era criança e podia brincar na rua, se jogar no chão, respirar de graça e sem se preocupar. Culpava o governo por não oferecer as máscaras contra a poluição em número suficiente; culpava o governo por não ter estoque de botas anti-calor para todos que não tinham dinheiro para comprá-las; culpava o governo por não recarregarem com ar puro as máscaras das crianças nas escolas públicas, como era feito nas escolas de elite. Mas tudo isso não lhe fazia se sentir menos culpada por não poder dar a Pedrinho ao menos ar puro, ar puro para que ele pudesse respirar sem prejuízos à sua saúde.
- A ambulância chegou – gritaram ao longe.
O menino estava desacordado. O pequeno estoque de ar puro que a professora lhe ofereceu não foi suficiente para que Pedrinho não desmaiasse, por não conseguir respirar o ar sem as gotas de purificação que a máscara proporciona.
A diretora carregou o menino ao encontro dos médicos, que também corriam. Todos os alunos estavam juntos, quietinhos, de mãozinhas dadas, olhando para a cena que não entendiam bem. A professora os consolava, sem ao menos se consolar também de verdade. Ela ainda lembrava que quando era criança se falava muito do Protocolo de Kyoto, aquele acordo assinado por alguns países para a diminuição das emissões de gás carbônico e do efeito-estufa global. Naquela época alguns pesquisadores também descobriram que o carbono armazenado no solo começara a ser liberado pela ação mais intensa dos micróbios existentes no solo. E esses micróbios só aceleraram sua atividade por causa do aumento da temperatura dos solos, causada pelo efeito-estufa. Naquela época, tudo isso parecia algo muito distante. Para que se importar com algo que só mudaria a vida do planeta depois de alguns anos? Talvez nem estivesse viva até lá... Era um tempo tão distante...
Tirou sua máscara do rosto. Pensou nas crianças que estudavam em colégios de elite e que tinham intervalos para poderem encher suas máscaras com ar puro. O carregamento custava caro, mas em colégios de elite as recargas diárias eram incluídas na mensalidade.
Marina chegara em casa há pouco. As solas dos pés estavam bastante queimadas pelo calor do solo que nesse verão era quase insuportável. Há tempos não sentia o clima tão ruim. Molhou vários paninhos e começou a molhar toda a casa, para tentar de alguma forma amenizar a poluição que respirava sem a proteção das máscaras com reserva de ar puro.
Ligou o fogo para preparar o almoço quando bateram à porta. Esmurraram, gritaram, não simplesmente bateram à porta. Que ela fosse pegar o filho no hospital. Ele tivera uma crise. Já estava melhor e precisava desocupar o espaço. Outros esperavam pelo lugar dele.
Seus pés ardiam, mas saiu correndo para o hospital. Ficava há oito quadras de seu casebre, uma reta só, sem árvores nem sombras para refrescar o caminho. Encontrou o filho à espera na porta da enfermaria, sentadinho com os braços cruzados e a cabeça debruçada entre as pernas, vigiando com medo os passantes. Pegou-o no colo em um único impulso e conferiu se estava tudo bem. Sentou-se a seu lado. Não podiam correr o risco de voltar para casa sem as máscaras, em pleno meio-dia. O ar era praticamente irrespirável. Ficariam abrigados no hospital, onde o ar era purificado.
Colocou o filho deitado com a cabecinha em seu colo. Disse que lhe contaria histórias para dormir, pois ficariam ali até a noite chegar. Fez-lhe carinho na cabeça, com lágrimas nos olhos. Ele pediu um abraço, disse que ela era a melhor mãe do mundo e adormeceu.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário